quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Integral

Chá mate, café, incapacidade, livros, livros, relatório, referencias, números, letras, símbolos, nomeie, saiba, sinta, desista, recomece.
Pegue outra xícara de café, faça mais chá, quem sabe outro livro? Finja que desistiu; e, e, estude mais um pouco.
Semanas, um mês.
Não durma, nunca durma, quem tem tempo pra tal luxo?
Saiba. Saiba coisas, saiba integrais, saiba, que é integral, tudo é.
Até segunda.
Até acabar, toda a babaquice que se espera de gente tola.
Tola? Não, tola não, perdida. Tola é outra coisa.
Enfim, segunda.
Qualquer? Não, minha segunda. Inventada, esperada, minha segunda tola.
Diriam que as babaquices estariam la, disseram. E estariam. Mas não em minha segunda, não nessa. Pelo menos.
Agora não é mais segunda, é eterno. Como fora dito.
E quem dirá que não existe razão nessa bolha de metros quadrados? Quem dirá que não é integral? O leite definitivamente era. Por que não o resto?
Então será. Porque se quer, porque é preciso inventar.
É possível sim, perder um dia ou dois. Perder não, ganhar.
Entende?
Ganhamos.
Pois bem, nomeie, nomeie o sentimento, nomeie o sono, nomeie o sorriso.
Atrás de toda cafeína vem sempre um dia, dois, e leite integral. Mesmo que não se saiba. E claro, uma penca de notas ruins. Como se importasse.
Embora saiba, não é mais, não é nada.
E ao invés de meia sabida, era inteira completa.
Era uma, duas, completamente. Por meses, pela eternidade.
Nomeie os dias, e o sorriso, que não vai.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Flores de plástico

Copos, chaves, mesas, eletrodomésticos e as melhores varas de pescar que o dinheiro pode comprar. Uma vida, duas vidas, um caminhão e três dos filhos.

No armário agora o via. Sem hesitar, em cada gole ele me apertava a garganta, como um nó, um eterno nó. Um nó grande e esquecido, um nó, dois nós, eu, copos. Copos. Copos.

Seu medidor de pressão descansava agora sobre a estante de rotinas, de tv. O medidor em japonês, motivo de muitas brincadeiras em sua presença. Não que fosse especial, na verdade, com ele, tudo era. Brincadeiras, vendas, quitandas, hospitais; nomeie e faríamos, criaríamos. E ele? Ele patrocinaria, como sempre o fez, como sempre pôde. Daria o que fosse preciso, sem palavras, sem jeito, com olhos de zelo, com mãos de zelo. Mãos cansadas. Rosto cansado. Face de pessoa cujo destino fora traçado rápido demais, por outras pessoas. E nem por isso seria ruim, creio que nunca fora, muito pelo contrário, fizera de tudo o melhor impossível.

Pescarias, peixes, filhos, educação, esposa, remédios, cuidado, netos, cavalos, porcos, aniversários. Quais não são sem ele, quais sempre seriam.

Cada gole de uma fanta uva gelada me enforcaria, cada copo de cristal ou alumínio, cada filho sem rumo, cada neto de longe, cada aniversario. Eu.

Intacto permaneceria seu lar, intacto como o queríamos, como teria que ser. Intacto como maldosos gostam e retiram. Quieto, calmo, vazio então.

Esvaziaram lembranças doídas e mantidas, esvaziaram-lhe. A ferida fora cutucada e não estancava. Pudera. Como estancar tamanha ferida? Tamanho estrago?

Copos, copos, lixeiras, varas, eu, ele. Copos, copos, lixeiras, varas e eu. Eu e copos. Copos.

domingo, 7 de novembro de 2010

Queijos e vinhos.


Queijo. Ela me vinha como queijo.
Sim, amarelo, verde, saboroso, de todos os formatos e de vários sabores. Queijo. Com texturas distintas e aparência peculiar. Queijo cheiroso. Queijo light. Queijo meu. Meu queijo amarelo.
Um cheiro de felicidade ela possuía. Cheiro inexplicável aquele, que não passava, fosse a qualquer hora ou dia. Cheiro que me afetava, que me consumia, que acalentava as aflições, que consolava a alma furada de anos de estrago. Cheiro de flor? De calêndulas ou macadâmias? Não. Não era. Era um cheiro novo, um cheiro diferente, nunca sentido. O cheiro dela.
Ela me corrigiria a qualquer falha acadêmica; diria que estava equivocada e que o que dizia não fazia o menor sentido, e eu aceitaria. Como não? Ela sabia de peixes e fadas. Ou seriam números e tempo? Creio ser todos. Não ousaria debater com seu conhecimento, sabia que perderia. Pra ela sim.
Bizarro como a construção de meu passado com todas as outras escolhas haviam sido opostas, bizarro como eu sabia-me mais que a todas, exceto com ela. Exceto por ela.
E eu me entregava, pouco a pouco, de quando em quando lá e acolá, de quandos injustos de poucos momentos, de devaneios de horas e álcoois, de abismos inesperados e carícias desejadas.
E assim que percebesse, eu estaria perdida. Tentaria me buscar naquela viagem de ida e acabaria com tudo. Acabaria e voltaria atrás, tentando reembolsar aquela passagem de volta, e reembolsaria, já reembolsei. Embora o preço nunca fosse totalmente restaurado, eu estaria feliz. Sim, feliz por estar na viagem novamente, feliz. Só feliz, e com medo, muito medo.
Impossível não temer, ou sequer não se entregar àqueles olhos de ressaca. Olhos que me sentiam, olhos que me enxergavam como ninguém mais. Olhos que prediziam atos ou aceitariam besteiras. Olhos, ou ouvidos, ou nariz, ou corpo, ou mãos, ou ela, ou eu.
E nós. E eu era. Hoje eu era. Não mais eu, era ela, dela. E não conseguia largar disso, desse sonho de mil quilômetros ou loucura de quase alguns meses. Não conseguia desprender dessa sanidade de palavras. Ou dessa viagem incerta. Viagem minha.
Pudera, nunca um queijo combinou tanto com um vinho barato ou uma idéia num rascunho. Ou num papel, na calculadora.
Um queijo, ou frango, ou porco, ou morango. Todos com vinho, ou sem nada. E comigo.

domingo, 17 de janeiro de 2010

seguidos a menos

Perdi. Havia perdido tudo que acreditava me segurar e não havia ninguém pra segurar-me. Naquele dia chuvoso e sob aquela chuva fina, nem o arco-íris que havia acabado de aparecer fazia sentido. Nada mais fazia.
Diante das cervejas que não faziam efeito ou do cigarro que acabava sem porquês, eu percebia.
Percebia que perdi. Perdi por acreditar que as conquistas que faziam minha felicidade só dependiam de mim. Perdi por crer que as outras bastariam. Perdi por ter ganho o mundo e perdido a alma ao mesmo tempo.
Pensava que se obtivesse todo o resto, ele não teria tamanho significado, tolice a minha.
Chega a linha de término e todo mundo ganha, e tu se consola com prêmios secundários, se houvesse consolo. Tu se consola com o futuro incerto e conquistado, se consola com a liberdade, com a bebida dos dias, a fumaça dos pulmões, as pessoas de cada noite e a responsabilidade do resto da vida. Consola-se com a ausência que se fez doída e cicatrizada.

O copo meio vazio agora é completo, e não faria diferença mais nada, mais ninguém, nem ninguém.
Etanol, nicotina, e tempo, tempo, tempo e tempo.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Cereja Ice

Chicletes. Chicletes saciavam-me. De todos os formatos e sabores. Quaisquer que fossem, não importava mais.

Ele me preenchia. Não necessitava mais do que um simples chiclete na calçada para perceber que era raro, que era pra mim. Naquele singular momento ele era minha conversa mais sincera. Ele era meu, por um instante que fosse, por um chiclete. Ele era meu amigo. Bonito era como ele voltava toda a atenção a mim, como conseguiu se desprender de tudo e notar-me. Bonito era como num olhar a gente se compreendia, como em uma palavra a gente se consolava. Bonito era ele, sempre fora.

Altruísmo, a melhor palavra para designá-lo. Isso se pudesse limitá-lo à palavras. Não podia, nem devia. Ninguém devia. Ele fora todas as minhas, todos os choros e consolos, todas as músicas e risadas, fora o que me fizera passar, e viver. Passaria horas em silêncio à sua companhia, e não precisaria de mais nada.

Com ele, eu era eu, e ele era ele, e isso, essas pequenas palavras juntas, era o que me fazia amá-lo.

De fato, o amo. Ouso ainda dizer que era o único em minha vida, meu único homem, meu melhor amigo.

Era repleto de sentimentos, completamente afundado neles. Não conseguiria não amar àqueles que ama, nem se tentasse. Não conseguiria ser rude ou grosseiro, não conseguiria não pensar em cada pessoa individualmente. Era incapaz de ser frio, ou sequer falso.

Escritor, um exímio escritor. Amante das palavras e histórias, amante do objeto, do assunto pelo qual adorava escrever. Sortuda era quando dividia seus textos comigo, não pude deixar de adorá-los todos.

Creio que de todos os xingamentos, ele era o adjetivo em pessoa. Estranho seria se tu ouvisse de qualquer pessoa que o conhecia, alguma palavra depreciativa.

Era meu todo, meu alívio, meus chicletes. Todos eles.

Era minha saudade de tardes não ociosas perdidas mascando chicletes e nada além, ninguém além. Eu, tu, mil chicletes e um ar, num dia quente demais para não ser utilizado em palavras fúteis e sentimentos vividos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Resignação


Era azul. Azul mesmo, cor de céu limpo e piscina com cloro. A roupa que levemente cobria a superfície lisa de seu corpo era azul. E a discreta relevância disso era inotável. Assim como desejava que fosse.

Iria fazer uma semana que não o via, uma semana de sossego físico, não obstante não mental. Nunca mental. Depois que o conhecera nunca mais fui a mesma, e nem podia. Ele descrevia todos os tolos sentimentos que nunca me deixara sentir, traduzia minha insanidade diária.

- Devia parar de fumar - Ele dizia com a cara mais lavada em sobriedade possível, assim, como quem não liga para o fato. Ele nunca ligou, não conseguia se importar com ninguém, nem se tentasse. Mas dizia ainda, nunca parou.

- Não quero, o mundo é muito triste para vivermos sem algo a nos aliviar – Eu relatava como quem não fazia questão de respondê-lo.

- Tu deveria beber uma comigo antes de adentrar nesse sonho moral de todos, Pedro.

Engraçado como Pedro nunca havia sido de ninguém, pelo menos ninguém em especial, ele era de todas, e nenhuma sabia como ele era de verdade. Mas Marina parecia ter roubado seu ar. Sim, Marina havia roubado-o.

- Ela quer te conhecer, Helena. Fica horas suplicando um encontro. Quer saber quem é essa que tanto falo. – Ele dizia com um entusiasmo nunca antes demonstrado.

Sabia o jogo de Marina, era jogo de mulher, não a julgava, estava certa de ter ciúmes. Eu é que não estava.

Agente se conhecia sem palavras, pelo contrário, o silêncio era a parte que faltava naquela sintonia amigável toda. O triste foi percebê-lo demais.

- Descerei para comprar mais cigarros, Pedro. Ligue para ela, convide-a para vir aqui.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Suficiência

Depois de percorrer todo aquele ambiente nostálgico havia visto-a, de fato era a única que queria enxergar, a que me fazia bem. Reparo à multidão de amigos a seu redor, não esperaria menos, o seu carisma era fato a qualquer um.

Ousei não falar nada por quase toda aquela cerimônia, não pude. Não agüentava não abraçá-la todos os dias.

Significativo era cada palavra bondosa ou amiga que me devotava a toda hora. Eu, a menina que nunca estava feliz com nada. Ela, a que sempre era feliz pra me fazer melhor.

Bizarro como depois de cada conversa ou bebida, éramos amigas, e isso bastou. Bastava seus braços me envolverem pra notar que o mundo tem sentido sim, e que as pessoas podem ser perfeitas. E eu necessitava da presença dela, mesmo que fosse apenas física. Ainda não conseguira pensar no futuro com a sua ausência, não me passava pela cabeça uma vida sem ela para me segurar em cada deslize.

A menina que me olha com olhos que afagam, que amo com o mais inocente sentimento possível, que me conquistou sem eu perceber.

Não sobreviveria sem ela, e nem tentaria. Minha amiga de pouco, eterna de mundo.

À ti. E mais nada.