segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Flores de plástico

Copos, chaves, mesas, eletrodomésticos e as melhores varas de pescar que o dinheiro pode comprar. Uma vida, duas vidas, um caminhão e três dos filhos.

No armário agora o via. Sem hesitar, em cada gole ele me apertava a garganta, como um nó, um eterno nó. Um nó grande e esquecido, um nó, dois nós, eu, copos. Copos. Copos.

Seu medidor de pressão descansava agora sobre a estante de rotinas, de tv. O medidor em japonês, motivo de muitas brincadeiras em sua presença. Não que fosse especial, na verdade, com ele, tudo era. Brincadeiras, vendas, quitandas, hospitais; nomeie e faríamos, criaríamos. E ele? Ele patrocinaria, como sempre o fez, como sempre pôde. Daria o que fosse preciso, sem palavras, sem jeito, com olhos de zelo, com mãos de zelo. Mãos cansadas. Rosto cansado. Face de pessoa cujo destino fora traçado rápido demais, por outras pessoas. E nem por isso seria ruim, creio que nunca fora, muito pelo contrário, fizera de tudo o melhor impossível.

Pescarias, peixes, filhos, educação, esposa, remédios, cuidado, netos, cavalos, porcos, aniversários. Quais não são sem ele, quais sempre seriam.

Cada gole de uma fanta uva gelada me enforcaria, cada copo de cristal ou alumínio, cada filho sem rumo, cada neto de longe, cada aniversario. Eu.

Intacto permaneceria seu lar, intacto como o queríamos, como teria que ser. Intacto como maldosos gostam e retiram. Quieto, calmo, vazio então.

Esvaziaram lembranças doídas e mantidas, esvaziaram-lhe. A ferida fora cutucada e não estancava. Pudera. Como estancar tamanha ferida? Tamanho estrago?

Copos, copos, lixeiras, varas, eu, ele. Copos, copos, lixeiras, varas e eu. Eu e copos. Copos.